João Geraldo, ferroviário de Três Corações (MG)

em Ferroviários

A gente viajava em cima do trem

João Geraldo, ferroviário de Três Corações (MG)

João Geraldo, ferroviário de Três Corações (MG). Foto: Paulo Morais

Meu nome completo é só João Geraldo. Eu tenho duas datas, mas a data que minha mãe me pôs no mundo é 13 de julho de 1926, mas no meu documento é de primeiro de agosto de 1926. Eu entrei na estrada de ferro dia 15 de agosto de 1946. eu entrei com 20 anos. Faz 30 anos que eu estou aposentado, eu saí em 82, dia 31 de setembro de 82 que eu aposentei. Aí eu trabalhei 37 anos e sete meses, eu entrei como guarda freio. O guarda freio andava só em cima do carro. Depois eu passei para mecânica, aí eu fui para o depósito e completei todo o meu tempo no depósito, mas dentro do depósito eu fazia tudo, eu era pedreiro, era carpinteiro, era mecânico, na rede misturava tudo. Tudo que a gente sabia fazer, a gente fazia.

A gente viajava em cima do trem. O trem carregava mercadoria, era arroz, feijão, cereais, então a gente fazia carga e descarga das mercadorias, viajei 8 anos como guarda freios. A gente tinha que viajar em cima do trem porque não tinha lugar, a gente zelava do trem, descarregava mercadoria, fazia todo o serviço, dava lenha para a máquina. Antigamente as máquinas eram tudo a lenha, depois passou para carvão. Quando tinha uma prancha, a gente viajava dentro da prancha, quando tinha um carro vazio no trem, e estava chovendo, a gente entrava dentro do carro, Quantas vezes eu sai de madrugada debaixo de um frio miserável em Passa Quatro.

Estrada de ferro era meio perigoso, era lugar que morria gente a revelia, naquela época o sujeito abusava um pouco, então a gente lidava com muito defunto, companheiro mesmo que morria em serviço. Um morreu perto de Lavras, outro morreu lá na Jureia. Teve um companheiro meu, um tal de Clemente, eu viajei muito tempo com ele, ele morava na Cotia, ele caiu de um trem lá perto da Jureia, de tardezinha, de lá eles já levaram ele para Jureia, ele pousou lá sozinho, no outro dia ele veio no trem de passageiro, saiu quatro e meia de manhã de lá, quando era meio dia e pouco ele chegou aqui, ele veio dentro da bagagem até aqui, aqui que ele veio a receber o caixão. Teve outro também que morreu na subida de Lavras, para cá de Costa Pinto, era foguista, Olavo, então ele foi por areia na frente da máquina, porque quando chove, o trilho fica liso, então ele foi por areia, deitou na frente da máquina, era a 249 a máquina, não sei o que ele fez, escorregou, a máquina passou por cima dele. Era um trem de boi, o maquinista era o seu Milton, eles puseram ele lá atrás no último carro, amarraram ele lá e ele veio deitado amarrado até aqui, aqui que a família foi tratar dele. Não tinha este negócio de luxo, morreu lá, não tinha nada não.

Todo ano eu marcavas férias para o mês de julho, e todo ano eu punha meus filhos dentro do trem, e ia todo mundo para Aparecida, fica um ou dois dias lá e depois voltava com meus filhos. Então faz falta a rede, até os particulares gostavam de fazer excursão, fazer romaria, era mais barato, era mais gostoso, era tranquilo, né? Eu tenho saudade. Até sinto satisfeito de dar uma entrevista sobre as coisas antigas, eu tenho muita saudade do meu tempo, sempre sobrevivi, nunca fui de arrumar rolo, nunca bebi, foi assim que eu alcancei meus 85 anos de vida. Hoje este povo não alcança.

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